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Mostrando postagens com o rótulo Psicanálise

Por que tantas crianças gostam tanto de dinossauros?

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Essa é uma pergunta fascinante e que revela muito sobre o desenvolvimento infantil. Essa quase adoração das crianças por dinossauros não é mero acaso; ela combina aspectos cognitivos, emocionais e simbólicos profundamente humanos. Vamos abordar isso sob algumas lentes: O fascínio infantil por dinossauros combina elementos cognitivos, emocionais, simbólicos e socioculturais. Este artigo explora — à luz da psicanálise clássica e contemporânea, da psicologia do desenvolvimento e da sociologia cultural — por que dinossauros ocupam um lugar privilegiado no imaginário das crianças. Discute-se como o interesse contribui para a formação do eu, funciona como metáfora do medo e do poder, instala-se na interface fantasia/realidade e é amplificado por práticas pedagógicas e pela indústria cultural. Conclui-se com implicações clínicas e educativas e sugestões para profissionais que trabalham com crianças. Há algo de enigmático no olhar de uma criança diante de um dinossauro. Seja em um livro ilust...

Deuses, Arquétipos e o Inconsciente Coletivo: um olhar junguiano sobre a persistência das divindades através do tempo e do espaço

Desde os primeiros mitos que os povos contaram ao redor do fogo até as narrativas religiosas e culturais que moldam nosso imaginário hoje, as divindades têm funcionado como nomes, rostos e histórias para energias internas da psique humana. Para alunos do ensino médio que estudam História, essa perspectiva aumenta a compreensão: mitologia não é apenas “contos antigos”, é também uma linguagem simbólica através da qual as sociedades representaram suas angústias, valores e soluções imaginárias para problemas existenciais. A seguir, reúno e aprofundo as ideias discutidas: definição e função dos mitos, exemplos comparativos entre panteões, a visão junguiana do inconsciente coletivo e dos arquétipos — e, por fim, aplicações didáticas para sala de aula. 1. Mitologia: o que é e por que importa para a História Mitologia são narrativas simbólicas que explicam fenômenos naturais, instituições sociais, experiências humanas e valores. Antes das explicações científicas, os mitos davam sentido ao...

“Die Another Day”: ego, psicanálise e Cabala na cultura pop contemporânea

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Desde seu lançamento em 2002, como tema do filme homônimo de James Bond,  Die Another Day  consolidou-se como um ícone da cultura pop não apenas pelo seu ritmo eletrônico e visual inovador, mas também pelo caráter filosófico e psicológico de sua letra. Madonna, ao longo da canção, propõe uma reflexão sobre o ego, o desejo e a transformação interior, fazendo da música uma obra que transcende o mero entretenimento. Em um panorama em que a cultura pop raramente se debruça sobre processos de autoconhecimento,  Die Another Day  oferece uma narrativa de libertação psíquica e espiritual, ecoando conceitos da psicanálise e da tradição mística cabalística.   O despertar e a ambivalência do eu: Freud e Lacan A abertura da música — “I’m gonna wake up, yes and no” — apresenta a tensão inicial do sujeito entre permanecer na inconsciência e se abrir à introspecção. Freud nos ensinaria que essa ambivalência é própria da relação entre id e ego: parte de nossa psique deseja ...

O Recrutamento e Seleção sob a Ótica da Psicanálise

 O processo de recrutamento e seleção, tão presente no universo corporativo, costuma ser apresentado como um mecanismo técnico e objetivo de escolha dos candidatos “mais adequados” a uma vaga. Entretanto, quando olhado pela lente da psicanálise, revela-se um terreno marcado por fantasias, projeções e dinâmicas inconscientes que atravessam tanto candidatos quanto recrutadores. O trabalho e a constituição do sujeito Freud, em O mal-estar na civilização (1930), já havia apontado que o trabalho é um dos caminhos mais importantes para a sublimação das pulsões. Ao investir sua energia libidinal na produção, o sujeito encontra uma forma de transformar a pulsão em algo socialmente valorizado, construindo laços e encontrando satisfação que vai além da sobrevivência material. O trabalho, portanto, não se reduz a um meio de sustento: ele é constitutivo da própria subjetividade, pois oferece um campo no qual o desejo pode se inscrever e se deslocar. Lacan amplia essa perspectiva ao indicar ...

O sujeito workaholic: quando o excesso de trabalho fala mais do que o descanso pode escutar

 Em nossa cultura, onde a produtividade parece ter se tornado medida quase exclusiva de valor pessoal, a figura do sujeito que vive para o trabalho emerge como um sintoma não apenas social, mas psíquico. Este não é simplesmente alguém dedicado ou comprometido, mas alguém cuja identidade está profundamente atrelada à atividade incessante, como se fosse impossível existir fora do fazer. É o que chamamos de workaholic — termo importado do inglês, mas que, na escuta psicanalítica, remete a algo muito mais complexo do que uma mera dependência comportamental. A psicanálise nos convida a perguntar: o que significa, para o inconsciente, nunca poder parar? Que função psíquica cumpre essa ocupação constante? Freud já nos ensinava que o sintoma é uma formação de compromisso, isto é, um arranjo entre forças internas que, de um lado, tentam trazer à consciência desejos e conteúdos recalcados e, de outro, procuram mantê-los fora do alcance. O trabalho excessivo, nesse sentido, pode ser compreen...

Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica como Via de Individuação

Nichols organiza a jornada em 22 etapas que refletem fases do desenvolvimento psíquico. Cada carta, em sua simbologia, representa aspectos a serem confrontados, integrados ou elaborados pelo sujeito em sua caminhada de individuação. 0. O Louco Simboliza o potencial ilimitado, o impulso para o novo, o salto no desconhecido. Representa a liberdade do Self antes de se prender às estruturas do ego. I. O Mago Traz a capacidade de ação criativa e iniciativa, o despertar da consciência para manipular recursos internos e externos, aprendendo a direcionar energia psíquica. II. A Papisa Figura do feminino oculto e da intuição. Representa o inconsciente, a gestação de novos potenciais e a necessidade de acolher a escuta interior. III. A Imperatriz Simboliza a fecundidade, o cuidado e a nutrição. Representa o arquétipo materno na sua face de geradora de vida e criatividade. IV. O Imperador Traz a força da estrutura, da ordem e da autoridade. Relaciona-se ao princípio paterno, estabelece...

Djavan e a Poesia Inconsciente: Uma Leitura Psicanalítica dos Versos que Cantam o Indizível

Na confluência entre arte e inconsciente, entre a canção popular e a sofisticação poética, habita Djavan. Cantor, compositor e poeta das entrelinhas, Djavan Caetano Viana nasceu em Maceió, no estado de Alagoas, em 27 de janeiro de 1949. Filho de uma lavadeira e apaixonado pela música desde a infância, Djavan começou sua trajetória artística tocando em bailes e bares até conquistar o Brasil com um estilo inclassificável — um amálgama de samba, jazz, pop, música nordestina e um lirismo quase onírico. Para os que se interessam pela psicanálise, a obra de Djavan é um campo fértil. Seus versos são uma tessitura de signos que muitas vezes escapam à razão cartesiana, mas ecoam profundamente no inconsciente. O que ele faz — talvez sem a intenção teórica, mas com plena intuição poética — é explorar as brechas entre o significante e o significado , conceito-chave na teoria lacaniana. Entre o Som e o Sentido Na tradição da linguística estrutural — em especial a partir de Ferdinand de Saussure...

A Importância da Ritualística do Funeral na Superação do Luto

A morte é, talvez, o acontecimento mais radical da experiência humana. Diante dela, somos confrontados com os limites da linguagem, do corpo, da presença. A ritualística dos funerais nasce, então, como uma resposta simbólica àquilo que nos escapa: ela organiza o caos, confere sentido à dor e permite que o luto se processe em camadas – psíquicas, sociais e espirituais. Historicamente, o velório, enquanto prática ritual, tem origens curiosamente ligadas à medicina. Na Europa medieval, sobretudo durante os séculos de maior incidência de doenças como a peste e outras enfermidades comatosas, tornou-se comum o hábito de vigiar o corpo do falecido por algumas horas antes do sepultamento. Isso se dava como forma de garantir que a morte tivesse, de fato, ocorrido, evitando que pessoas fossem enterradas vivas. O termo "velar" deriva dessa vigília — uma prática originalmente preventiva, científica até, que mais tarde viria a se revestir de significados transcendentes. Com o tempo, o v...

A febre do Toy Art Labubu: o fascínio adulto pelos brinquedos que não são brinquedos

Nas vitrines de colecionadores e nos feeds das redes sociais, uma criatura peculiar, de olhos grandes e expressão travessa, tem chamado atenção: Labubu . Parte do universo criado pelo artista chinês Kasing Lung , Labubu é um dos mais desejados personagens da Pop Mart , empresa de design e comercialização de toy art que virou febre no mundo todo. Mas o que há por trás desse fenômeno que faz adultos enfrentarem filas, investirem pequenas fortunas e se emocionarem com o simples abrir de uma caixinha-surpresa? O que é toy art? Toy art , ou designer toy , é uma forma de expressão artística que une o universo dos brinquedos ao design contemporâneo e à arte pop. Criados por artistas plásticos, ilustradores e designers, os toy arts não são brinquedos convencionais , mas sim objetos de arte colecionáveis — produzidos em tiragens limitadas, com forte apelo visual e simbólico. Essas figuras costumam ser feitas de vinil, resina ou outros materiais duráveis, e frequentemente dialogam com temas...

Selfies em velórios: a espetacularização do luto e o narcisismo digital

Há algo profundamente perturbador — e ao mesmo tempo revelador — nas selfies tiradas durante velórios. A imagem de alguém sorrindo ao lado de um caixão, muitas vezes com filtros e hashtags, escancara uma verdade incômoda sobre o modo como a sociedade contemporânea tem lidado com a morte, com a dor e com a própria noção de presença e ausência. Vivemos uma era marcada pelo império da imagem. O que não é postado, compartilhado, curtido, não existe. Nesse contexto, até o luto, espaço sagrado de silêncio, introspecção e elaboração da perda, tornou-se mais uma oportunidade de autopromoção ou validação social. Fotografar-se em um velório é, em certo sentido, tentar provar que se esteve ali — não necessariamente em termos afetivos, mas como testemunha digital, como participante de um rito transformado em evento. A psicanálise ensina que o luto é um processo de trabalho psíquico. Freud, em seu célebre texto Luto e Melancolia , descreve-o como um caminho doloroso de desligamento libidinal do o...

Bebês Reborn: Não julgo. Mas observo. E muito.

 Falam tanto da geração Z e dos millennials como se fossem um problema ambulante. Dizem que são frágeis, que se vitimizam, que romantizam a tristeza, que tudo é gatilho. Mas poucos param pra pensar que essa abertura ao sofrimento — por mais caricata que às vezes pareça — é um sinal de evolução psíquica. Como diria Sándor Ferenczi , um dos grandes nomes da psicanálise relacional, “a criança maltratada vive em silêncio, mas jamais esquece”. Talvez o que essa juventude esteja fazendo seja exatamente o que as gerações anteriores não puderam fazer: dar nome à dor . Ninguém fala que as gerações anteriores estão cheias de feridas mal curadas. Gente que nunca teve o direito de brincar, de chorar, de ser cuidado. Cresceram sob a rigidez da moral patriarcal e produtivista, onde o valor de uma pessoa era medido por sua utilidade. A subjetividade foi esmagada pela função. Freud já dizia que a civilização cobra um alto preço pela renúncia pulsional — e muitos pagaram com a própria saúde menta...