Mitos e Verdades sobre a Insalubridade e Periculosidade
O tema da insalubridade e da periculosidade ainda gera muitas dúvidas, mesmo entre profissionais experientes das áreas de Segurança do Trabalho e do Direito. São conceitos que aparecem frequentemente em laudos periciais, convenções coletivas e reclamatórias trabalhistas, mas que, muitas vezes, são mal interpretados tanto por empregadores quanto por trabalhadores. Para compreender esses institutos de forma clara, é necessário desmistificar algumas ideias equivocadas e trazer luz ao que a legislação realmente estabelece.
A primeira distinção fundamental é que insalubridade e periculosidade não são sinônimos, embora ambas estejam relacionadas à exposição a riscos no ambiente de trabalho. A insalubridade diz respeito à exposição habitual a agentes nocivos à saúde — como ruído excessivo, calor, frio, radiações, produtos químicos ou agentes biológicos — que, com o tempo, podem causar danos ao organismo do trabalhador. Já a periculosidade está associada a atividades que oferecem risco imediato à vida, como contato com inflamáveis, explosivos, energia elétrica de alta tensão ou, em certos casos, atividades de segurança pessoal ou patrimonial.
Essa diferença, embora pareça simples, gera uma série de confusões práticas. É comum ouvir, por exemplo, que todo eletricista tem direito ao adicional de periculosidade ou que qualquer pessoa que trabalhe em hospital recebe adicional de insalubridade. São meias verdades. O direito ao adicional não depende apenas da função exercida, mas da efetiva exposição ao risco em condições acima dos limites de tolerância definidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio das Normas Regulamentadoras (NRs).
A NR 15 trata da insalubridade, estabelecendo limites e condições para o reconhecimento de agentes físicos, químicos e biológicos. Já a NR 16 define o que caracteriza a periculosidade, delimitando as atividades que envolvem risco acentuado. Em ambos os casos, a simples presença do agente ou da situação perigosa não é suficiente para garantir o adicional. É preciso comprovar que o trabalhador está exposto de modo permanente e habitual, e que essa exposição ocorre acima dos parâmetros legais.
Um exemplo cotidiano pode ilustrar melhor. Imagine um técnico de manutenção que trabalha em uma indústria e, eventualmente, precisa adentrar uma área com ruído acima de 85 decibéis, mas sempre utilizando os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados, como protetores auriculares certificados. Se o uso desses equipamentos neutraliza o risco, o adicional de insalubridade pode não ser devido, já que a empresa adotou medidas eficazes de controle.
Da mesma forma, pense em um frentista de posto de combustíveis. Ainda que ele utilize EPIs, o risco de explosão é inerente à atividade e não pode ser eliminado apenas com medidas de proteção. Nesse caso, a periculosidade está configurada, e o trabalhador tem direito ao adicional de 30% sobre o salário-base.
Outro equívoco recorrente é acreditar que os adicionais podem ser acumulados. A legislação trabalhista, em especial o artigo 193, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é clara ao vedar o acúmulo: o empregado deve optar por um dos dois adicionais, aquele que lhe for mais vantajoso. Essa regra visa evitar a sobreposição de compensações financeiras que têm a mesma natureza indenizatória, ainda que os fatores de risco sejam distintos.
Também é importante compreender que a caracterização da insalubridade ou da periculosidade depende de perícia técnica. Não basta a percepção subjetiva de desconforto ou insegurança no trabalho. O laudo pericial, elaborado por um profissional habilitado — normalmente um engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho —, é quem atesta a existência, o grau e a natureza do risco. O perito, por sua vez, analisa não apenas o ambiente físico, mas também os processos de trabalho, o tempo de exposição e o uso adequado dos EPIs.
Um ponto que gera muita controvérsia diz respeito ao grau de insalubridade, que pode ser mínimo (10%), médio (20%) ou máximo (40%), calculado sobre o salário mínimo da região. Essa regra, embora contestada por juristas e sindicalistas que defendem a aplicação sobre o salário-base, continua sendo a referência adotada pela jurisprudência majoritária. A periculosidade, por outro lado, tem valor fixo de 30%, calculado sobre o salário-base do trabalhador.
Do ponto de vista prático, compreender esses conceitos é essencial não apenas para o cumprimento das normas, mas também para promover um ambiente de trabalho mais seguro e saudável. O adicional, embora seja uma forma de compensação financeira, não substitui a obrigação do empregador de eliminar ou reduzir o risco. O verdadeiro objetivo da legislação é a prevenção, e não a monetização do perigo.
Quando o tema é abordado em sala de aula, costumo provocar a reflexão com uma pergunta simples: “O que vale mais — um adicional no contracheque ou a preservação da saúde e da vida?”. A resposta parece óbvia, mas a prática revela que, em muitos ambientes laborais, o adicional acaba se tornando um “preço” pago pela exposição contínua ao risco, o que revela uma distorção da finalidade protetiva da norma.
Por isso, o papel dos profissionais de Segurança do Trabalho é estratégico. São eles que fazem a ponte entre o conhecimento técnico e o cumprimento da lei, traduzindo a legislação em medidas práticas de prevenção. E é aqui que o diálogo entre Direito e Segurança se torna mais importante do que nunca: compreender os fundamentos jurídicos da insalubridade e da periculosidade é o primeiro passo para garantir que a norma não seja apenas aplicada, mas efetivamente cumprida.
Em síntese, o maior mito sobre a insalubridade e a periculosidade talvez seja imaginar que esses institutos servem apenas para aumentar o salário. A verdade é que eles existem para lembrar que todo trabalho deve ser digno, seguro e humano. Quando a proteção à vida se torna parte da cultura organizacional, os adicionais deixam de ser vistos como custos e passam a ser reconhecidos como instrumentos de respeito ao trabalhador.
Afinal, compreender a diferença entre o risco e a negligência é o que separa a mera execução de tarefas da prática ética e responsável da profissão. E esse é o ponto central de todo ensino voltado à Segurança do Trabalho: formar profissionais que não apenas conheçam a lei, mas saibam aplicá-la com consciência, técnica e compromisso com a vida.

Comentários