A história da filosofia é marcada por grandes rupturas e transformações paradigmáticas que acompanham as mudanças culturais, científicas, políticas e sociais da humanidade. A passagem da Filosofia Moderna para a Filosofia Contemporânea representa um desses momentos decisivos, em que o próprio sentido da razão, da verdade e do sujeito passa a ser questionado de forma inédita.
Filosofia Moderna: A Centralidade da Razão e do Sujeito
A Filosofia Moderna tem seu marco inicial no século XVI, desenvolvendo-se fortemente entre os séculos XVII e XVIII. Ela surge em um contexto de profundas transformações: o surgimento da ciência moderna, o Renascimento, a Reforma Protestante e a consolidação dos Estados nacionais. É uma filosofia que se estrutura em torno da crença no poder da razão humana como instrumento de conhecimento, domínio da natureza e organização da vida social.
O sujeito, enquanto consciência pensante e autônoma, torna-se o centro do pensamento filosófico moderno. A busca é por fundamentos seguros, pela verdade objetiva e pela construção do saber a partir de princípios racionais.
Principais Pensadores da Filosofia Moderna:
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René Descartes – pai do racionalismo moderno; busca a certeza através da dúvida metódica (“Penso, logo existo”).
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Francis Bacon – fundador do empirismo moderno e da metodologia científica.
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John Locke – empirismo e teoria da tábula rasa; origem do conhecimento na experiência.
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Baruch Spinoza – racionalismo e panteísmo; Deus como substância única.
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Gottfried Leibniz – harmonia pré-estabelecida e mônadas; racionalismo matemático.
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David Hume – crítica ao empirismo e ao conceito de causalidade; ceticismo moderado.
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Immanuel Kant – ponto culminante e ao mesmo tempo de ruptura; sintetiza racionalismo e empirismo, inaugurando a chamada filosofia crítica.
Kant é, sem dúvida, o grande marco de transição dentro da própria modernidade, ao colocar os limites da razão como questão central.
Paradigma da Filosofia Moderna:
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Centralidade do Sujeito.
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Confiança na Razão como fonte de conhecimento e emancipação.
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Busca por fundamentos universais e seguros.
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Otimismo quanto ao progresso científico, técnico e moral.
O Ponto de Virada: Da Crítica da Razão ao Questionamento do Sujeito
O ponto de virada entre a Filosofia Moderna e a Filosofia Contemporânea ocorre na virada do século XIX para o século XX, mas suas raízes começam antes, com pensadores que já questionavam os limites da razão moderna.
Essa transição é marcada por:
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A crítica às pretensões absolutas da razão.
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O questionamento da ideia de um sujeito universal, autônomo e transparente a si mesmo.
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A percepção de que o mundo, o conhecimento e os valores são atravessados por historicidade, linguagem, cultura, desejo e relações de poder.
Entre os pensadores de transição estão:
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G.W.F. Hegel – a razão dialética, histórica, que se realiza no tempo e no processo social.
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Karl Marx – introduz a crítica materialista; o ser social determina a consciência.
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Friedrich Nietzsche – crítica aos valores modernos, à metafísica e à noção de verdade; morte de Deus.
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Søren Kierkegaard – precursor do existencialismo; angústia, subjetividade e escolha.
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Sigmund Freud – introduz o inconsciente, rompendo com a ideia de um sujeito plenamente racional e consciente.
Filosofia Contemporânea: Fragmentação, Crítica e Multiplicidade
A Filosofia Contemporânea, surgida no século XX, se desenvolve num contexto de grandes crises: as guerras mundiais, o colapso dos impérios coloniais, o avanço tecnológico sem paralelo, o crescimento das democracias e das lutas sociais. Este é um tempo que testemunha o descrédito em relação às narrativas totalizantes e às certezas metafísicas.
Principais Correntes e Pensadores da Filosofia Contemporânea:
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Fenomenologia: Edmund Husserl, Maurice Merleau-Ponty.
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Existencialismo: Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus.
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Hermenêutica: Hans-Georg Gadamer, Paul Ricoeur.
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Estruturalismo: Claude Lévi-Strauss, Louis Althusser.
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Pós-estruturalismo e Desconstrucionismo: Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze.
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Teoria Crítica: Escola de Frankfurt (Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas).
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Filosofia Analítica: Bertrand Russell, Ludwig Wittgenstein, Willard Quine.
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Feminismos e Estudos de Gênero: Judith Butler, Angela Davis, Simone de Beauvoir (também no existencialismo).
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Estudos Pós-coloniais e decoloniais: Frantz Fanon, Gayatri Spivak, Boaventura de Sousa Santos, Aníbal Quijano.
Paradigma da Filosofia Contemporânea:
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Crise do Sujeito: o sujeito não é mais entendido como unidade autônoma, mas como construção histórica, linguística, cultural e inconsciente.
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Crítica à Razão Totalizante: desconfiança em relação aos projetos de universalização e às metanarrativas.
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Valorização da Diferença: multiplicidade de vozes, saberes, corpos, culturas e experiências.
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Centralidade da Linguagem, do Discurso e do Poder: o mundo não é apenas conhecido, mas também construído pelas práticas discursivas.
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Interdisciplinaridade: aproximações com a psicanálise, a sociologia, a antropologia, a política, as ciências cognitivas e a literatura.
Síntese Final: O Fio que Liga e o Quebrar das Linhas
Se na modernidade buscava-se a construção de uma verdade segura a partir da razão e de um sujeito universal, a contemporaneidade nos convida a habitar a incerteza, a multiplicidade e a complexidade. Não há mais uma única verdade, mas sim a disputa de narrativas, discursos e interpretações.
É na transição do sujeito autônomo cartesiano para o sujeito fragmentado e plural da contemporaneidade que reside o ponto de inflexão mais profundo da história da filosofia.
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