quarta-feira, janeiro 22, 2025

Entendendo a Sociologia Brasileira através de Terra em Transe

Terra em Transe (1967), dirigido por Glauber Rocha, é um marco do cinema novo brasileiro, conhecido por sua abordagem estética inovadora e sua crítica política visceral. O filme oferece uma análise contundente das estruturas de poder e das contradições sociais e culturais do Brasil dos anos 1960, tornando-se uma obra indispensável para estudantes de sociologia interessados em compreender a sociedade brasileira.

Sinopse: um espelho para a realidade política 

A história se passa no fictício país de Eldorado, onde Paulo Martins (Jardel Filho), um poeta e jornalista idealista, oscila entre apoiar diferentes líderes políticos: o conservador Porfírio Diaz (Paulo Autran) e o populista Felipe Vieira (José Lewgoy). Paulo busca uma transformação social, mas se depara com a corrupção, o autoritarismo e o desencanto com a política. Sua trajetória simboliza o dilema de uma sociedade presa entre a utopia revolucionária e a brutalidade do poder.

O contexto sociológico de Terra em Transe

O filme não apenas retrata uma narrativa fictícia, mas também simboliza os dilemas históricos e sociais do Brasil, especialmente no período pré-1964, marcado pela tensão entre forças conservadoras, movimentos progressistas e um crescente autoritarismo. Glauber Rocha articula esses elementos em uma linguagem poética e alegórica, abordando conceitos fundamentais da sociologia.

1. Relações de poder e dominação

A obra dialoga diretamente com a teoria de Max Weber sobre os tipos de dominação. Felipe Vieira representa a dominação carismática, com sua promessa de mudança social, enquanto Porfírio Diaz encarna a dominação tradicional, sustentada pelas elites econômicas. Paulo Martins, por sua vez, é a personificação da intelectualidade que questiona esses sistemas, mas é tragado por eles.

2. A luta de classes

Inspirado por uma perspectiva marxista, Glauber Rocha mostra Eldorado como um espaço de confronto entre elites opressoras e as massas populares. O filme evidencia a exploração econômica e o uso da cultura como instrumento de dominação, reforçando a desigualdade social que caracteriza a estrutura brasileira.

3. A alienação cultural

O embate cultural em Eldorado reflete a teoria de Antonio Gramsci sobre hegemonia cultural. As elites controlam os meios de produção simbólica, enquanto os movimentos populares lutam por sua voz. Paulo, com sua postura intelectual e crítica, destaca a dificuldade de romper essa hegemonia e mobilizar as massas de forma efetiva.

4. Modernidade e dependência

A narrativa de Terra em Transe também se alinha à teoria da dependência de sociólogos latino-americanos como Fernando Henrique Cardoso. Eldorado, assim como o Brasil, é retratado como uma nação em crise de modernização, dependente economicamente e culturalmente de potências externas, incapaz de consolidar um projeto de desenvolvimento autônomo.



O reflexo da sociedade brasileira

O filme revela os dilemas fundamentais da sociologia brasileira: a dificuldade de construir uma identidade nacional, os conflitos entre modernidade e tradição e a luta por justiça social em um contexto de dependência econômica. Glauber Rocha cria, assim, uma metáfora poderosa que transcende a ficção e oferece aos estudantes de sociologia uma lente crítica para interpretar o Brasil.

Por que assistir?

Para os sociólogos, Terra em Transe não é apenas uma obra cinematográfica, mas um estudo visual sobre as dinâmicas do poder e as contradições de uma sociedade marcada pela desigualdade. Ele desafia os espectadores a refletir sobre a perpetuação das estruturas opressoras e a buscar formas de resistência cultural e política.

Assistir ao filme é um exercício de sociologia aplicada, permitindo que o público investigue como as ideias de Weber, Marx e Gramsci se manifestam em um contexto latino-americano. Mais do que isso, é um convite a pensar o Brasil — e a sonhar com um Eldorado onde a utopia seja mais do que um poema inacabado.

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