segunda-feira, fevereiro 17, 2025

Meu Psicanalista Não Para de Falar Dele Mesmo, e Agora?

 

Introdução

O setting psicanalítico é frequentemente descrito como um espaço em que o silêncio do analista desempenha um papel fundamental na escuta e na elaboração psíquica do analisando. Entretanto, há momentos em que o analista compartilha relatos pessoais ou insere elementos de sua própria história no processo terapêutico. Para muitos analisandos, isso pode gerar um incômodo: "Por que meu psicanalista está falando tanto de si mesmo? Ele não deveria apenas me escutar?".

Este fenômeno, que pode parecer uma quebra da neutralidade esperada, desperta diversas questões clínicas e éticas. Seria um deslize narcísico do analista? Um sintoma de contratransferência não trabalhada? Ou haveria um propósito legítimo e clínico nesse ato? Neste artigo, exploramos as razões pelas quais um psicanalista pode recorrer ao uso de experiências pessoais e como isso impacta o processo analítico.

A Neutralidade e o Papel do Analista

Desde Freud, a posição do analista é descrita como um lugar de escuta atenta e de intervenção estratégica. A neutralidade e a abstinência são princípios clássicos que visam evitar que as interferências subjetivas do analista contaminem a experiência do analisando. No entanto, a própria psicanálise evoluiu para compreender que a relação terapêutica é um campo intersubjetivo no qual o analista também é um sujeito implicado.

Autores como Winnicott e Ferenczi questionaram a rigidez da neutralidade absoluta, apontando que a empatia e a responsividade do analista são fundamentais para um tratamento eficaz. A humanização da figura analítica permite ao analisando sentir-se compreendido e contido, algo essencial para a reparação psíquica.

O Uso da Experiência Pessoal: Quando e Por Que Acontece?

O compartilhamento de experiências pessoais pelo analista pode ocorrer de diferentes maneiras e por razões variadas. Algumas das possibilidades incluem:

  1. Ilustração Clínica: O analista pode trazer uma experiência pessoal para ilustrar um ponto teórico ou oferecer uma nova perspectiva ao analisando. Isso pode ser útil quando um conceito abstrato precisa ser ancorado na experiência cotidiana.

  2. Facilitação da Empatia: Em determinados momentos, o analisando pode se sentir isolado em sua dor. O relato de uma experiência do analista pode reduzir essa sensação de solidão, mostrando que os conflitos psíquicos fazem parte da condição humana.

  3. Construção da Aliança Terapêutica: Em alguns casos, a relação terapêutica pode estar fragilizada ou atravessada por resistências intensas. A partilha de um elemento pessoal pode fortalecer a confiança e criar uma ponte de comunicação mais autêntica.

  4. Intervenção Estratégica na Transferência: O analista pode perceber que está sendo colocado em um papel idealizado ou distante. Ao humanizar-se, ele pode provocar reflexões sobre a transferência e ajudar o analisando a trabalhar suas expectativas e fantasias.

  5. Regulação Emocional: Em momentos de grande angústia do analisando, uma intervenção que demonstre que o analista já atravessou dificuldades pode ajudar a conter sentimentos de desamparo.

Os Riscos do Excesso de Compartilhamento

Embora o uso estratégico de experiências pessoais possa ser benéfico, há situações em que o excesso de falas autorreferenciais pode indicar dificuldades por parte do próprio analista. Alguns riscos incluem:

  • Narcisismo Analítico: Um analista que constantemente fala de si mesmo pode estar capturado por suas próprias questões e usar a análise como palco para sua autoafirmação.

  • Defesas contra o Encontro com o Inconsciente do Analisando: O analista pode estar evitando se engajar profundamente na escuta e na contratransferência.

  • Confusão de Papéis: Se a partilha do analista for demasiadamente pessoal ou íntima, o analisando pode sentir que precisa ocupar o papel de suporte emocional, desviando-se de seu próprio processo psíquico.

A supervisão clínica e a análise pessoal do analista são essenciais para discernir quando a partilha é um recurso clínico legítimo e quando se trata de uma resistência ou de um acting out do próprio profissional.

Conclusão: O Que Está em Jogo Quando o Analista Fala de Si?

Se, por um lado, o silêncio do analista permite ao analisando projetar e elaborar suas questões, por outro, a ausência total de responsividade pode criar um ambiente impessoal e estéril. O compartilhamento de experiências pessoais, quando bem calibrado, pode ser um recurso poderoso para fortalecer a aliança terapêutica e facilitar a elaboração psíquica.

O que pode parecer, à primeira vista, uma manifestação egóica do analista, muitas vezes é uma tentativa genuína de aprofundar a conexão com o analisando. O essencial é que esse recurso seja utilizado com consciência clínica, dentro de uma escuta sensível às necessidades transferenciais e ao momento do processo analítico.

Assim, se o seu psicanalista fala de si mesmo, vale a pena refletir: isso está ajudando ou atrapalhando o seu processo? Essa é uma pergunta que pode, por si só, abrir novas possibilidades de compreensão e de diálogo dentro do setting analítico.

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